Uma das principais ferramentas para desenvolvimento das pessoas do seu time é o feedback. Essa palavra é um termo inglês que originalmente significa “retroalimentação”, ou seja, um processo em que as ações de um determinado sistema são inseridas de volta no sistema para o aprimoramento do próprio sistema. Na gestão de pessoas, o feedback é quando uma pessoa conta para outra como seu comportamento e suas ações foram percebidos por essa pessoa. Feedback pode ser dado por pares, por subordinados ou por líderes.
Como líder, é muito importante você dar feedback sempre que necessário para as pessoas que trabalham com você. Seis aspectos são essenciais para que o feedback possa ser o mais útil e relevante possível:
Eu costumo avaliar gestores de produtos em relação a 7 principais características:
Empatia: é a capacidade que uma pessoa tem de se colocar no lugar de outra para compreender os seus anseios, motivações, necessidades e problemas. Essa característica é importante para entender os clientes e usuários do produto, saber como estes se relacionam com ele e que problema esperam resolver ou que necessidade querem ver atendidas. Isso ajudará a gestora de produtos a entender melhor seu usuário para poder, junto com o UX e a engenharia, desenhar o melhor produto. Contudo, a empatia não deve ser usada apenas com o cliente ou usuário. A gestora de produtos deve usá-la também no seu relacionamento com todas as áreas da empresa, e deve entender o impacto que seu produto tem no trabalho delas.
Comunicação: para poder ter empatia, é necessário que a gestora de produtos se comunique com as pessoas nos mais diferentes cenários: em conversas um a um e em pequenos grupos, ou fazendo apresentações para grupos pequenos e grandes de pessoas, apresentações que podem ser internas (dentro da empresa) ou externas (em conferências, grupos de usuários etc.). Porém, não é só de falar que vive o gestor de produtos. Comunicação é uma via de mão dupla, ou seja, a gestora de produtos tem de ser muito boa em saber ouvir e compreender o que os outros estão dizendo, e entender os anseios e as necessidades deles; o que tem a ver com a primeira característica, a empatia.
Gestão do tempo: o dia a dia de uma gestora de produtos pode se encher rapidamente de tarefas e ela precisa ser capaz de perceber e diferenciar o que é urgente do que é importante, para garantir que terá sempre tempo para conhecer mais sobre o cliente e o usuário de seu produto.
Novas tecnologias: o gestor de produtos deve estar antenado sobre as novas tecnologias para saber como ela pode impactar o seu produto. Acesso via smartphone, como isso impacta o produto? O usuário quer acessar via smartphone? Para fazer o quê? Redes sociais, como o produto pode tirar proveito delas? Bancos de dados não relacionais, quais os benefícios e as deficiências? Go, a nova linguagem de programação do Google, no que ela é melhor do que a linguagem usada no produto? E no que ela é pior? Smartwatches, smartglasses, como isso impacta o produto? Como o usuário espera interagir com o produto nessas novas interfaces?
Habilidades empresariais: o gestor de produtos deve se preocupar se o seu produto está atingindo os objetivos de negócio. Se o objetivo for margem, a receita e os custos estão sob controle? Se o objetivo for só receita, como está o crescimento dela? Se o objetivo for número de usuários, como está evoluindo essa métrica? Além disso, o gestor de produtos deve entender como cada área da empresa funciona e como o produto afeta essas áreas. Como o jurídico funciona? Como o produto impacta no departamento jurídico? E como o departamento jurídico impacta no produto? Essas perguntas podem ser repetidas para todas as áreas da empresa: suporte, operações, financeiro, RH, marketing, vendas, engenharia e UX.
Curiosidade aguçada: a gestora de produtos precisa ter a capacidade de aprender rápido para poder ter insights e fazer julgamentos sobre o produto. Deve ser capaz de aprender tanto o lado soft do produto (qual é a motivação de negócio, qual problema do cliente o produto resolve etc.) como o lado mais técnico (qual tecnologia usamos, qual o impacto dessa tecnologia, que métricas podemos obter etc.).
Tema do produto: por fim, mas não menos importante, a gestora de produtos precisa conhecer sobre o tema do produto. Se for um produto médico, o gestor de produtos deverá entender um pouco sobre medicina. Se for um produto financeiro, deverá conhecer um pouco de finanças. Por exemplo, na Locaweb, temos produtos mais técnicos (como o Cloud Server) e menos técnicos (como a Loja Virtual). A necessidade de conhecimento técnico é bem diferente nesses dois produtos. A gestora de produtos do Cloud Server deverá conhecer bem a fundo questões técnicas, enquanto o gestor de produtos da Loja Virtual não precisa ter tanto conhecimento técnico, mas deverá saber bastante sobre questões de venda online.
Essa é uma pergunta razoavelmente polêmica. Como dito, a depender do tema do produto, é importante saber programar, principalmente se aquilo de que o gestor de produtos cuida é um produto mais técnico. Alguns exemplos da Locaweb são Hospedagem de Sites, Cloud Server e SMTP. Contudo, mesmo empresas que não “vendem” um produto técnico podem ter uma parte de seu produto com um viés mais técnico. Na Conta Azul tínhamos as APIs, as integrações com fintechs (Iugu e Stoce) e a integração com as Secretarias da Fazenda para emissão de nota fiscal, e no Gympass toda a parte de integração com sistemas de gestão de academias e com sistemas de RH. Para esses produtos, é importante ter um gestor de produtos com conhecimento de técnico, uma vez que o principal usuário do produto será técnico e o objetivo do produto é um objetivo técnico.
Por outro lado, um produto como Lova Virtual, o app do Gympass ou o portal de busca de imóveis da Lopes são produtos feitos para qualquer pessoa utilizar. Será que para esses produtos seria bom o gestor de produto ter conhecimento técnico, ou seja, saber programar? Na minha visão, não é essencial que o gestor de produtos tenha conhecimento técnico, mas certamente vai ajudar. O conhecimento técnico ajuda a entender como o produto é feito, e isso o ajudará a ser um gestor de produtos melhor. Ajuda a entender o trabalho feito pelo time de engenharia e pode ser útil nas decisões sobre priorização e escopo. Duas analogias que podem ajudar a entender melhor o benefício que saber programar traz para um gestor de produtos:
Isso não significa que a gestora de produtos precisa ser uma expert em programação. Se ela não tem nenhum conhecimento de programação, seria interessante fazer um curso introdutório à lógica de programação e experimentar fazer seu primeiro programa. Essa experiência só vai beneficiar a carreira dessa pessoa.
SQL
Se o gestor de produtos ainda não sabe, deve aprender SQL. Acesso aos dados está cada vez mais democrático nas empresas e saber SQL é fundamental para que o gestor de produtos possa usufruir dos dados de maneira independente, sem precisar ficar pedindo para outras pessoas criarem seus gráficos e dashboards. Quando colocamos o Metabase como solução de democratização dos dados na Conta Azul eu fiquei tão animado que passei uma semana inteira indo dormir às 2:00 da manhã, pois ficava criando gráficos e dashboards para entender melhor como os produtos do Conta Azul eram utilizados.
Muitas empresas utilizam a avaliação de desempenho como a ferramenta oficial da empresa para coletar e registrar o feedback dos seus funcionários. Líderes avaliando as pessoas do seu time. Pessoas avaliando os seus pares e seus líderes. Pessoas fazendo autoavaliações.
Algumas empresas utilizam a matriz 9-box que tem duas dimensões:
Líderes fazem a avaliação de seus liderados com base nessas duas dimensões. Em algumas empresas, essas avaliações incluem, com um peso menor, a autoavaliação, as avaliações de pares, clientes internos e, caso a pessoa lidere um time, de seus liderados. É a avaliação 360º. Em outras empresas, a autoavaliação e as avaliações de pares, clientes e liderados servem como dados adicionais para o líder fazer a avaliação, mas não entram no cálculo da avaliação.
Depois de feita a avaliação, normalmente se faz um processo de calibração, onde os líderes comparam a avaliação de seus liderados para entender se os critérios de avaliação usado por cada líder está equalizado. Esse processo todo de avaliação é liderado e coordenado pelo time de RH da empresa, e essa calibração é facilitada por alguém do RH. As pessoas avaliadas são plotadas na matriz 9-box e com isso tem-se um mapa das pessoas da empresa.
Com essa avaliação calibrada em mãos, o gestor retorna para o liderado e então se inicia o trabalho de gestão de consequências, que é trabalho que precisa ser feito após o liderado receber sua avaliação:
O processo de avaliação de desempenho procura classificar os funcionários de uma empresa com o intuito de facilitar o entendimento de quem são as melhores pessoas e quem são as pessoas que precisam melhorar. Contudo, como expliquei acima, há muitas oportunidades para frustração nesse processo de avaliação, especialmente quando há discordância entre a autoavaliação e a avaliação recebida. Essa frustração normalmente é potencializada pelo fato de o processo de avaliação ser passível de:
Além disso, estamos entendendo e respeitando cada vez mais a diversidade humana, não só em questões físicas e de preferências, como também a diversidade de perspectiva, de história e de contexto. Tendo essa maior clareza sobre a diversidade humana, torna-se cada vez mais complicado encaixar todos as pessoas de uma empresa em somente 9 caixas baseadas em duas dimensões (potencial vs. resultados). Para entender melhor a complexidade das pessoas que compõem uma empresa, provavelmente precisaremos pensar de forma multidimensional.
Por esses motivos, existe uma tendência mundial de abandonar o processo de avaliação de desempenho periódico e substituí-lo por conversas mais frequentes entre líder e liderado sobre carreira, performance, potencial e valores. Segundo algumas estimativas (https://hbr.org/2016/10/the-performance-management-revolution), mais de um terço das empresas americanas já abandonaram o processo de avaliação de desempenho periódico e adotaram essas conversas mais frequentes como alternativa.
Em adição às conversas mais frequentes entre líder e liderado sobre carreira, performance, potencial e valores, acho importante a cada 6 meses fazer uma retrospectiva junto com o liderado sobre o que aconteceu nesse período. Da mesma forma que em desenvolvimento de produtos temos cerimônias de retrospectiva, é um momento de revisitar o que passou e avaliar o que foi bem, o que pode melhorar e os desafios pela frente.
Eu faço uma primeira versão, baseado no histórico que tenho com a pessoa. Caso haja um processo formal de avaliação de desempenho na empresa onde eu estiver trabalhando, uso essa oportunidade para fazer a retrospectiva e considero todas informações geradas através desse processo, autoavaliação, avaliação de pares, clientes internos e de liderados, se houver.
Essa primeira versão tem 3 seções, pontos fortes, pontos a melhorar e desafios do próximo semestre, que contempla não só os principais objetivos para o próximo semestre como também foco nos pontos de melhoria. Caso haja um processo formal de avaliação de desempenho na empresa onde eu estiver trabalhando, coloque minha sugestão inicial de classificação nos quesitos mensurados nesse processo formal.
O próximo passo é usar uma das reuniões de 1:1 para conversar com o liderado sobre essa retrospectiva, ouvir como ele a enxerga e, eventualmente, ajustar a retrospectiva de comum acordo com ele. É um excelente momento para ter uma conversa mais ampla e uma reflexão conjunta sobre o semestre que passou e sobre o que vem pela frente.
Caso haja um processo formal de avaliação de desempenho na empresa onde eu estiver trabalhando, faço essa conversa antes de inserir os dados no sistema de avaliação da empresa, pois acho importante a avaliação conter essa retrospectiva construída em conjunto com o liderado. Caso haja sessões de calibração, aviso o liderado de que a avaliação ainda pode sofrer ajustes pela calibração e, após a calibração, conto de forma transparente o que aconteceu na calibração, para ajudar a pessoa a entender como outras pessoas a percebem.
EXEMPLO
Pontos fortes
O primeiro semestre foi particularmente difícil para Felipa, com muitas incertezas e uma enorme pressão de entrega do Projeto Avengers. Diante disso tudo, Felipa conseguiu navegar muito bem pela situação e encontrar boas soluções, inclusive recomendando uma aquisição de empresa, como também manteve sua tribo engajada no processo.
Pontos a melhorar
Seu time de PMs ainda é júnior, com pouca experiência de gestão de produtos, apesar de ter bom conhecimento técnico do tema do produto. É importante buscar formas de acelerar essa senioridade do time.
Desafios para o próximo semestre
Deve trabalhar para aumentar senioridade de seus PMs pois eles ainda demandam bastante de seu tempo, impedindo-a de ter um papel mais estratégico.
No capítulo Contratar as pessoas certas comentei que, ao fazer a proposta para uma pessoa se juntar ao seu time, é importante balancear incentivo de curto prazo (salário e benefícios), médio prazo (bônus) e longo prazo (stock options e similares). De tempos em tempos, enquanto essa pessoa estiver no seu time, é importante avaliar se esses incentivos precisam ser revistos, ou seja, se ela merece um aumento ou uma promoção. Há dois aspectos importantes a considerar, quando e como dar aumentos e promoções.
É comum empresas que definem um período do ano para promoções e aumentos, normalmente logo após o período de avaliação de desempenho ou da retrospectiva periódica. Recomendo não fazer isso, pois na hierarquia de necessidades da maioria das pessoas, a necessidade por reconhecimento e recompensa financeira vem antes da necessidade por desenvolvimento pessoal. Sendo assim, se em uma mesma conversa colocarmos o tema sobre promoções e aumentos junto com o tema feedback e que pontos ela precisa para melhorar, a atenção da pessoa estará muito mais voltada ao tema promoções e aumento. Por esse motivo, recomendo separar essas duas conversas. Quando conversar sobre promoção e aumento, foque apenas nesse tema. E quando conversar sobre retrospectiva, novamente foque apenas nesse tema.
Existem duas formas de promover uma pessoa. A primeira forma é esperar que ela esteja demonstrando habilidades de, pelo menos, 70% do próximo nível de carreira para promovê-la. É o que chamo de “promoção empurrada”, ou seja, ela deve empurrar para conseguir sua promoção. A outra forma é avaliar o potencial da pessoa, ou seja, se ela tem a capacidade de desenvolver as habilidades necessárias para operar no próximo nível de carreira e, se ela tiver, promovê-la. Chamo essa forma de “promoção puxada” pois a pessoa é puxada para operar no nível de habilidade do próximo nível de carreira.
Tenho preferência pelo modelo de promoção puxada, pois gera um desafio bastante motivador para a pessoa, que sentirá que está devendo as habilidades necessárias e vai correr para desenvolvê-las o mais rápido possível. Há, obviamente, o risco de ela não conseguir desenvolver essas habilidades mas, na maioria dos casos, vejo que pessoas com potencial normalmente conseguem desenvolvê-las bem rápido. Já na promoção empurrada, a principal vantagem é que não há risco, a pessoa que é promovida já demostra as habilidades necessárias. Contudo, exatamente por já apresentar as habilidades necessárias, essa pessoa pode achar que a promoção não vem, ou está demorando muito e pode querer olhar o mercado aumentando o risco de você perdê-la do seu time, por demorar a dar o seu reconhecimento.
No próximo capítulo vamos conhecer as cerimônias que costumo usar com os times que eu lidero.
Este artigo faz parte do meu mais novo livro, Liderança de produtos digitais: A ciência e a arte da gestão de times de produto, onde falo sobre conceitos, princípios e ferramentas que podem ser úteis para quem é head de produto, para quem quer ser, para quem é liderado por ou para quem tem uma pessoa nesse papel na empresa. Você também pode se interessar pelos meus outros dois livros: