Lembro com clareza do início da internet no Brasil, em meados dos anos 1990. Tudo era novo, sim — mas o clima era de entusiasmo. Parecia que estávamos descobrindo um novo continente: surgiam possibilidades incríveis, profissões inéditas, modelos de negócios que ninguém imaginava. Havia curiosidade, otimismo — e uma certa ingenuidade também.
Trinta anos depois, vivemos outra revolução tecnológica: a inteligência artificial. Mas, desta vez, o sentimento dominante não é entusiasmo. É medo.
Medo de perder o emprego. Medo de ser substituído. Medo de não entender o que está acontecendo nem ter tempo de se adaptar.
Por que reagimos tão diferente a duas tecnologias igualmente transformadoras?
Claro que internet e IA são diferentes. Mas acredito que a forma como cada uma chegou até nós diz muito sobre a diferença de percepção. A tabela abaixo resume esse contraste:
Aspecto | Internet (anos 1990) | IA (2020s) |
---|---|---|
Impacto no trabalho | Mudou formas de trabalhar, mas criou novas funções. | Ameaça substituir funções existentes, inclusive cognitivas e criativas. |
Percepção pública | Curiosidade, otimismo. | Ansiedade, medo, desinformação. |
Velocidade de adoção | Gradual. | Explosiva. |
Transparência da tecnologia | Compreensível (sites, e-mails, downloads). | Opaca (modelos complexos, caixas-pretas). |
Narrativa dominante | Utopias digitais: liberdade, conexão, acesso. | Distopias: substituição, vigilância, colapso. |
Contexto global | Otimismo pós-Guerra Fria, expansão econômica. | Crises políticas, sociais, ambientais. |
Velocidade da mudança percebida | Anos para transformar setores. | Meses para impactar milhões de pessoas. |
Reação das instituições | Inicialmente lenta, depois estruturada. | Ainda tentando entender e reagir. |
Esse contraste mostra que o medo atual não é só sobre o que a tecnologia faz — mas sobre o ritmo e o contexto em que ela chega. E eu falo isso como alguém que viveu a transformação anterior por dentro.
Em 1992, montei com três sócios um BBS (Bulletin Board System) que permitia a troca de mensagens e arquivos por linha telefônica. Nosso sistema se chamava Dialdata BBS, e foi nossa principal aposta por um tempo.
Em 1995, quando tivemos acesso à internet pela primeira vez, ficou claro: os BBSs iam desaparecer (como de fato desapareceram). Mas também ficou claro que um novo mundo estava se abrindo. Aquilo que parecia uma ameaça virou oportunidade. Migramos, aprendemos, criamos. De Dialdata BBS para Dialdata Internet, um dos primeiros provedores de acesso e serviços de internet do Brasil. Fizemos parte da construção dos primeiros passos da internet no país.
Olhando para trás, vejo como aquela escolha de enxergar possibilidade onde havia ameaça fez toda a diferença. E esses dias me peguei vendo esse mesmo olhar curioso e destemido em uma criança de cinco anos.
Um pai mostrou à filha uma IA que criava desenhos a partir de descrições. Ela pediu um “unicórnio voador”. O resultado foi estranho, até assustador. O pai se preocupou com a reação dela. Mas ela apenas disse: “Esse desenho que eu fiz não ficou muito bom. Vou tentar de novo.”
Para ela, a IA não era uma ameaça. Era só mais uma ferramenta para criar. E se não funcionasse de primeira, tudo bem, era só tentar de novo.
Talvez essa seja a chave para viver essa nova onda tecnológica: menos medo de sermos substituídos, mais vontade de experimentar, aprender e criar junto.
Foi assim que vivi a chegada da internet.
É assim que estou vivendo a era da IA.
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