Nos últimos anos, a Cultura de Produto se consolidou em torno de quatro princípios simples e profundos: entregar rápido e com frequência, manter foco no problema, perseguir resultado (e não entregas) e pensar o produto como parte de um ecossistema. Esses princípios nasceram da prática e foram reforçados repetidamente por empresas que transformaram digitalmente a maneira como aprendem, testam, evoluem e escalam soluções.
Mas agora estamos diante de um novo ponto de inflexão tecnológico.
Ferramentas de vibe-coding, ambientes em que prototipar, simular e automatizar funcionalidades se tornam muito mais rápidas e acessíveis, estão encurtando o caminho entre intenção e implementação. O que antes demandava semanas, hoje pode levar horas. Ideias ganham forma antes mesmo de termos total clareza sobre elas.
Isso é potente. Mas também perigoso. O efeito dessas ferramentas não se limita a acelerar o trabalho. Elas mexem diretamente na cultura. E cultura é sempre sobre hábitos, incentivos e fluidez de decisões.
Certa vez ouvi uma história de 3 pessoas engenheiras que resolveram pegar uma ferramenta de vibe-coding para desenvolver um sistema interno, algo simples que, segundo elas, deveria levar 2 dias para fazer. Após 3 meses de idas e vindas, desistiram e confessaram que faltava clareza sobre o que queriam fazer. Os princípios da Cultura de Produto servem para dar essa clareza.
Vamos analisar o impacto positivo e os potenciais riscos dessas ferramentas, princípio por princípio.
O que muda com vibe-coding
Ferramentas de vibe-coding aceleram decisivamente a criação e entrega de soluções. O ciclo “pensar → testar → ajustar” fica mais curto. A prototipação de experiência ocorre quase no mesmo momento em que a ideia surge. Isso reduz o custo de explorar possibilidades e amplia o espaço de experimentação.
O Benefício
Mais ciclos → mais aprendizado → mais evolução.
O Risco
Confundir velocidade com progresso. Quando fica fácil entregar algo, torna-se tentador lançar sem medir se isso gerou aprendizado ou valor.
Como sustentar o princípio
A velocidade continua sendo meio, não fim. Cada entrega deve responder à pergunta: o que aprendemos ou (in)validamos aqui?
O que muda com vibe-coding
Com prototipação rápida, fica muito mais fácil testar hipóteses cedo, desde que o problema esteja claro. Se a definição do problema é superficial, o protótipo vira uma distração. Se o problema é bem entendido, o protótipo vira uma lente e um acelerador.
O Benefício
Melhor alinhamento entre a intenção e a solução.
Os Riscos
Pular o discovery do problema e ir direto para o discovery de solução. Construir uma solução sem a clareza de qual problema estamos resolvendo é certeza de desperdício de tempo e energia. Precisamos entender o problema, quem tem esse problema e a motivação para que o problema seja resolvido, para aí trabalharmos na discovery de solução.
Outro risco importante a considerar é o fato de pessoas de produto poderem fazer um protótipo e até um MVP sem necessidade de conhecimento de programação, o que pode dar a falsa impressão de que não é necessário trazer pessoas engenheiras para o discovery de solução. Mesmo com ferramentas de vibe-coding, pessoas engenheiras são essenciais durante o discovery de solução, pois sabem o que dá para fazer, muito além do que as ferramentas de vibe-coding permitem.
Como sustentar o princípio
O time precisa trazer pessoas engenheiras para o discovery da solução, mas só depois de ter clareza real sobre o problema. A ordem importa: problema → entendimento → solução → evolução.
O que muda com vibe-coding
A prototipação acelerada permite observar rapidamente se uma ideia tem potencial de gerar outcome antes de investir pesado. Isso facilita validar o impacto cedo — não apenas as funcionalidades.
O Benefício
Menos apostas grandes e cegas. Mais experimentos orientados a impacto.
O Risco
Voltar à velha armadilha de achar que ‘feature pronta’ = ‘resultado entregue’. Com ferramentas rápidas, essa confusão aumenta, não diminui.
Como sustentar o princípio
O resultado é uma mudança observável no comportamento da usuária e/ou nas métricas do negócio. Se a única coisa que mudou foi o código, nada de relevante foi, de fato, entregue.
O que muda com vibe-coding
O novo ritmo de prototipação torna mais fácil testar propostas de valor distintas para atores distintos do ecossistema (cliente final, parceiros, time interno, fornecedores etc.).
O Benefício
Mais oportunidades para construir valor distribuído, e não apenas para quem está pagando a conta naquele momento.
O Risco
A facilidade de desenvolvimento pode levar a priorizar um ator à custa de outro e a criar desequilíbrios que mais tarde cobram caro.
Como sustentar o princípio
Prototipar para múltiplos atores, medir o impacto nas relações entre os atores e não apenas o impacto individual.
Zapando nasceu de uma talk onde falo sobre os 4 Princípios Essenciais da Cultura de Produto. Quando explico o Princípio #1: Entregas Rápidas e Frequentes, uma das razões por trás desse princípio é o retorno do investimento. Em resumo: quanto mais tempo seu produto demora para ter usuários (e, eventualmente, clientes), mais dinheiro, energia e tempo você precisa colocar do próprio bolso. A explicação completa está nesse artigo.
Nas versões mais recentes da talk, costumo sugerir como exemplo a construção de um app de ToDo. Em um determinado momento, me peguei pensando: “Será que eu realmente preciso de três meses para fazer um app de ToDo?” Resolvi testar essa hipótese usando uma ferramenta de vibe-coding e o app ficou pronto em um fim de semana.
Esse experimento deixou claros dois efeitos do vibe-coding:
Your Astro Flow nasceu de um hábito que temos aqui em casa: calcular a revolução solar, o mapa do céu no aniversário de cada pessoa, que segundo a astrologia indica temas, oportunidades e desafios do ano. A revolução solar depende do lugar onde a pessoa passa o aniversário. Como faço aniversário em janeiro, minha esposa costuma comparar possíveis destinos para escolher o lugar que seja mais favorável.
Resolvi testar se o ChatGPT poderia simplificar esse cálculo. Funcionou. Daí veio a ideia de transformar isso em produto. Criei o app em uma semana com vibe-coding, com sete dias gratuitos e assinatura depois disso. Fiz uma campanha no Google e consegui 84 cadastros em 10 dias.
Sucesso, né? Só que não.
A métrica relevante não era cadastro, era uso contínuo. O D1+ Login, quantidade de pessoas que voltam ao app no dia seguinte ou posterior ao cadastro, foi 3. E uma delas era eu.
Aqui os princípios mais evidentes foram:
Quando colocamos lado a lado benefícios e riscos, fica mais fácil enxergar onde o vibe-coding ajuda e onde pode nos fazer tropeçar:
O vibe-coding não muda a Cultura de Produto. Ele acentua a cultura que você já tem.
Por isso, o papel da liderança de Produto continua sendo reforçar como decidimos, como aprendemos e como entregamos resultado, tanto para nossas clientes quanto para a empresa. Só que agora, tudo isso acontece potencializado pelas ferramentas de vibe-coding.
Vibe-coding é potência de prototipação e de teste rápido de ideias. Cultura de Produto é como resolvemos problemas. Uma sem a outra, descarrila. As duas juntas escalam e muito!
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Na Gyaco, acreditamos no poder das conversas para promover reflexão e aprendizado. Por isso, temos três podcasts que exploram o universo de gestão de produtos por ângulos diferentes:
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