Ouvindo um episódio recente do podcast da SVPG, me dei conta de um sintoma comum que aparece quando não há visão de produto: cada pessoa passa a ter o seu próprio ponto de vista sobre o que é o produto, para que ele serve e como deveria evoluir.

É natural. No vácuo de uma visão clara e compartilhada, cada área, cada liderança e até cada pessoa da empresa preenche esse espaço com suas próprias convicções, experiências e expectativas. Isso pode até parecer “diversidade de opiniões”, mas, na prática, vira desalinhamento. Cada conversa estratégica se transforma em uma disputa de narrativas.

Essa fragmentação de entendimentos é só um dos muitos sintomas da ausência de visão de produto. Baseado na minha experiência liderando times na Locaweb, Conta Azul, Gympass e Lopes e, mais recentemente, apoiando empresas como consultor, percebi uma série de sinais que mostram o impacto da falta de visão em toda a organização:

Decisões e prioridades

• A famosa “fábrica de features”.
• Roadmaps confusos, com decisões de priorização baseadas em opinião ou hierarquia, não em critérios claros.
• Planejamento de curto prazo, sem direção estratégica.
• Dificuldade em dizer “não” a ideias que não contribuem para um norte comum.

Times e estrutura

• Times organizados por tecnologia (“frontend”, “backend”), não por problema ou domínio de produto.
• Pessoas pouco engajadas, sem clareza sobre o impacto que estão gerando.
• Alta rotatividade de quem busca construir algo com propósito ou, pelo menos, entender para onde está indo.

Comunicação e cultura

• Cada área conta uma história diferente sobre o produto.
• Onboardings confusos: ninguém sabe explicar direito para onde o produto vai.
• Marketing, vendas e produto andando em direções diferentes — e, às vezes, opostas.

Resultados e mercado

• Proposta de valor confusa ou genérica.
• Dificuldade de posicionar o produto no mercado.
• Perda de identidade e diferenciação com o tempo.

A falta de visão vai se infiltrando nas decisões do dia a dia e minando o alinhamento, o propósito e o impacto do time de produto e da empresa como um todo. Identificar os sintomas é o primeiro passo. O segundo é fazer algo a respeito.

Um bom começo é escutar com atenção o que cada pessoa acredita que o produto deveria ser. Os pontos de vista individuais podem se tornar a matéria-prima do primeiro rascunho de uma visão de produto. Compreender os diferentes olhares e buscar o que há de mais comum e mobilizador entre eles ajuda a formar uma visão realista, conectada com o contexto, mas que ainda assim aponta para um futuro melhor. A visão como um centro de gravidade comum.

O que fazer se você não tem uma visão de produto?

Se você identificou alguns desses sintomas no seu contexto, o próximo passo é começar a construir uma visão. E não precisa ser algo grandioso logo de cara. Visão de produto não é uma frase de efeito ou uma apresentação bonita. É uma escolha consciente sobre o futuro que o time quer construir — e os problemas que vale a pena resolver.

Um bom caminho para começar:

• Volte ao problema da cliente. Entenda profundamente a dor, a frustração, o objetivo que ela quer alcançar.
• Conecte isso ao que a empresa precisa. Resolver o problema da cliente só se sustenta no tempo se também gera resultado para o negócio — seja em retenção, conversão, engajamento ou diferenciação.
• Use os diferentes pontos de vista como insumo. Eles não são ruído — são sinais. Escute com atenção, procure padrões e entenda onde estão as tensões.
• Traduza tudo isso em uma direção. Um foco claro, que ajude as pessoas a tomarem decisões mais alinhadas no dia a dia.

Essa construção de visão não acontece sozinha. Ela precisa de alguém com clareza, escuta ativa e capacidade de articulação. É responsabilidade da liderança de produto. Em uma empresa maior, normalmente é a CPO ou VP de Produto quem faz isso. Em uma menor, esse papel costuma cair sobre quem é Head de Produto. E, em muitas startups, é a própria founder quem precisa assumir essa missão.

Se for o seu caso, e parecer um desafio grande demais, buscar apoio também é um caminho. Consultorias especializadas ou mentorias com pessoas experientes em visão de produto podem acelerar esse processo e evitar armadilhas comuns.

O importante é não deixar esse vazio crescer. Porque, sem visão, o produto pode até continuar se movendo, mas se move sem direção, sem identidade e, aos poucos, com cada vez menos impacto.

Seu time tem algum desses sintomas?

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